terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Uma pequena reflexão para o ano novo

Esta manhã me sentei à mesa para o café com um questionamento que me venho fazendo desde que me entendo por gente - ou quiçá mesmo desde antes de nascer.

Por que o Brasil - e a América Latina de forma geral - ainda não deu certo? Por que - apesar de termos acesso a tecnologias e mesmo cultura, organização e planejamento externos - ainda não conseguimos suplantar alguns dos mais daninhos males de nossa sociedade?

E o que primeiro me saltou no vazio das ideias para responder a tais perguntas foi justamente o que lhes faltava: temos acesso a tecnologias, cultura, organização, planejamento, mas não temos um espírito.

(Quero, antes de continuar, fazer um pequeno porém: digo espírito não num sentido religioso propriamente dito. Falo do espírito num sentido clássico, aristotélico, portanto, anterior ao sentido "distorcido" que ganhou do cristianismo e mais anterior ainda ao sentido vazio que ganhou do cartesianismo. Talvez mais adequado seria dizer psiquê. De toda forma, deixo também aos crentes o sentido religioso, se lhes aprouver.)

Mas como não temos um espírito? Temos sim, por óbvio! Mas minha pergunta é: demos certo como nação? Temos um espírito de nação? Você se reconhece no seu concidadão? Sim? Não? Por quê?

Pus-me, assim, a aventar hipóteses que simplificassem o que leio no nosso inconsciente social. Vi as folhagens que estão à mostra para quem passa; verifiquei seus galhos; dei-me com seu tronco; e vi em que terras se afincam algumas de suas raízes. Serviram-me assim aquelas à reflexão. Talvez mais: serviram-me à inflexão.

Temos uma terra perfeita, matrizes étnicas diversas e maravilhosas, um caldeirão de culturas riquíssimas e que nos poderia aproveitar a simplicidade indígena, a alegria africana, a tecnologia do europeu... Mas... e como nascemos? Como nasceram as primeiras sementes humanas semeadas nesta terra? 

Parece-me que ainda carregamos um desprezo branco e masculino pelo Brasil, como se algum dia fôssemos alguns de nós voltar a Portugal contar os feitos em terras do além-mar, estendendo ao alto uma cruz materna e arcaica; um ressentimento amedrontado, amarelo e feminino, que guarda no peito ora um falso orgulho ora uma vontade de se refugiar em suas próprias raízes ao abrigo da civilização; uma desconfiança e uma autodesconfiança negra que creu na liberdade pela miscigenação e mesmo pela autonegação.

O que passava pela cabeça dos primeiros homens que zarparam de Portugal para se aventurar pelo mundo? Como cresceu o filho da primeira índia violada após a missa rezada aos pés do Monte Pascual? Como se sentiu o primeiro negro que foi amarrado por outro negro da tribo inimiga e entregue à escravidão em terras que lhe eram estranhas e infamiliares? Como se sentiu a primeira negra que pariu um fruto de seu senhor? Seria seu filho um branco livre ou um negro escravo?

São perguntas que me trazem respostas e que me trazem problemas. Mas que me jogam também a luz à consciência. E se nem todos ainda sofrem com este espírito  - seja porque de famílias imigrantes ou de famílias que já transcenderam essa raiz e cujas sementes já brotaram em solos mais distantes -, muitos ainda parecem padecer de uma sanha oportunista, aventureira; ou do medo da violação física; ou da autoderrogação e da desconfiança recíproca.

O que me importa assim enxergar tais problemas? Muito. Como eu disse, não para reflexão, mas para inflexão. Para isolá-los - quando mesmo na minha própria alma - até que esta velha árvore tombe seca e se fossilize na história. Importa-me não semeá-los mais sem os perceber.

E é, portanto, o que desejo para nós a partir de 2014: que saibamos perceber cada vez mais o que perpetuamos de ruim; que tenhamos a coragem para mudá-lo em nós e para ajudar ao outro; que sejamos abençoados com sabedoria para chegar a um novo patamar de civilização.

Feliz 2014!

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