quarta-feira, 22 de maio de 2013

Mas por quê?

O Português é uma língua com ojeriza a consoantes - principalmente ao "n", "d", "lh", "x" e "s", detestando também os encontros "pl", "fl" e "cl". Também não é lá muito chegado em vogais longas e, sempre que pode, some com a vogal "e" átona.

Mas se tem uma coisa que o Português realmente de-tes-ta são as palavras proparoxítonas e oxítonas, estas sendo um pouco mais bem aceitas pelo Português Brasileiro, herdeiro da língua geral de base tupi falada nos primórdios da Terra Brasilis.

Não sei bem explicar os motivos de tal predileção, mas é fato que muitas palavras originalmente proparoxítonas provindas do latim e do grego, quando por via popular, tenderam à "paroxitonidade". Para ilustrar, algumas palavras proparoxítonas e seus correspondentes atuais:

Parabola -> palavra
Auricula -> orelha
Dominus -> dono
Domenicus -> domingo
Acidus -> azedo

Outras eliminaram mesmo hiatos (som de mais de uma vogal em sílabas vizinhas) para se tornarem paroxítonas:

Substantia -> sustança
Filius -> filho
Gratia -> graça
E pense bem: nós acentuamos, na maioria das vezes, somente as palavras proparoxítonas e oxítonas, exceção feita no caso das vogais tônicas "i" e "u", quando na primeira sílaba, e no de outras átonas que, por convenção baseada em sua origem etimológica, são seguidas por algumas consoantes, que no latim eram frequentemente seguidas de mais uma vogal. Exemplos dessas consoantes que fazem as exceções são aquelas em cuja declinação devemos acrescentar uma vogal. Assim:

L: plural -> pluralis -> plurais
Z: juiz -> judici -> juizes
N: abdominis -> abdómen
R: marcador -> marcadores
Não sei se estou sendo claro, mas são consoantes que no decurso de suas transformações perderam vogais que tornariam as palavras em paroxítonas.

No caso do "i" e do "u", poderíamos dizer que, como são também semivogais, faz todo sentido que sejam sempre tônicas, visto que na primeira sílaba quase que gritariam por uma vogal que as completasse.

Posto tudo isso, acho que não resta dúvida: o Português é naturalmente uma língua paroxítona e, portanto, até mesmo com a finalidade de simplificar a acentuação, somente as exceções deveriam ser acentuadas.

Eis que sou tomado de estupenda surpresa quando descubro que a palavra "secretária" não é proparoxítona. Não, meus diletos amigos! A palavra separa-se assim: se-cre-tá-ria. Uma paroxítona terminada no ditongo "ia"... Falar em ditongo crescente já é por si só um absurdo, quando então se fala em ditongo crescente formado com uma semivogal, a coisa beira a insanidade!

Pois bem, duvidando dessa separação silábica absurda e desse ditongo incrível, fui procurar saber no Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. E empalideci quando me deparei com a alínea "c" do parágrafo 2o. da Base VII, que transcrevo:

"Além dos ditongos orais propriamente ditos, os quais são todos decrescentes, admite-se, como é sabido, a existência de ditongos crescentes. Podem considerar-se no número deles as sequências vocálicas pós-tónicas/pós-tônicas, tais as que se representam graficamente por ea, eo, ia, ie, io, oa, ua, ue, uo: áurea, áureo, calúnia, espécie, exímio, mágoa, míngua, ténue/tênue, tríduo."

Mas por que tamanha complicação? Não seria mais simples e lógico dizer que "secretária" se separa "se-cre-tá-ri-a" e que, como proparoxítona, acentua-se? Da mesma forma, "secretaria" (do verbo secretariar) não se acentuaria, posto que é uma paroxítona. Nessa linha de raciocínio, até entendemos por que trocar "fi-li-us" por "fi-lho". Se o som de "i" ou "u" anteposto permanece junto a uma vogal, esse som não é de uma vogal, mas sim uma consoante! Se, nesse caso, "ia" formasse uma unidade sonora, a palavra deveria se separar como "se-cre-tár-ia", já que consoantes que não formam um som único são separadas.

Fica, portanto, registrado meu protesto contra as arbitrariedades (ar-bi-tra-ri-e-da-des) que se cometem contra o Português.

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