Então abri novamente os olhos e
fitei o céu por entre os galhos secos da árvore sob a qual se encontrava o
banco em que eu me assentara para descansar um pouco da longa caminhada.
Distraído, perdia-me em pensamentos e lembranças que se sucediam uns
enganchando em outros e que, apesar da forte atenção interior que me tornava
distante do local em que me encontrava espacialmente, deliam-se tão logo
encontravam a engrenagem que as levaria ao encadeamento consecutivo. Num
sobressalto, ouvi a agitação de folhas secas que se arrastavam contra o chão de
argila britado enquanto eram levadas pelo vento frio de fins de março. Calculei
que o vento soprava de oeste a leste vindo, portanto, do mar ao continente e,
ainda, que o sol já fraco sumiria no ocidente setentrional em questão de três
horas. Procurei as folhas que varriam o chão daquela pequena praça escondida ao
lado dos canteiros centrais da avenida e julguei que seriam as de um plátano,
conforme me permitia deduzir o modesto conhecimento da silvicultura. Busquei-o
derredor e recobraram-me à memória os galhos que há pouco via secos misturados
ao céu, dando-me conta de que estava justamente na fronde da árvore que eu
procurava. Ri-me e pensei novamente na fome sôfrega que o fim de tarde vindouro
traria. Tirei de um dos bolsos, espichando-me sobre o banco e repoltreando-me
em seguida, uma carteira de Kent em que não se encontravam mais do que uns quatro
cigarros. Volvi o fundo da pochette
pendurada transversalmente pelo meu colo a buscar por um isqueiro que há pouco
eu havia comprado de um ambulante próximo a uma banca de flores. Achando-o,
acendi o cigarro que me conduziria novamente à promenade. Reconhecendo o ânimo do fumante, os primeiros tragos me puseram a questão que restava sempre sobre permanecer e aproveitar aquela falsa e lânguida sensação
de relaxamento que impedia qualquer tônus muscular ou pôr-me de pé e tratar
logo da minha mais íntima e ronronante necessidade fisiológica: a privação
alimentar... Atravessei a avenida observando
de longe os carros de um lado e de outro e, andando mais um pouco ao largo do
passeio, deparei-me com um café um tanto quanto navy, de toldo azul e branco, em cuja porta havia um garçom pouco
sisudo que parecia entediado pela falta da clientela, o que me remetia
novamente ao fim da tarde. Hesitei por alguns instantes até que o atendente me
cumprimentou e, sentindo-me compelido pela educação inabitual, tomei um assento
no terraço da calçada. Revisei impaciente o menu
e, descartando o 3-course meal, optei
pelo prato do dia, na ocasião, um magret
de pato com molho de laranja, purê de batatas e legumes grelhados. Lembrei-me,
ao provar o pato, de que após a crise alguns bistrôs e cafés – e mesmo
restaurantes em happy hour – vinham
substituindo seus chefs e auxiliares
por comida pronta que vinha resfriada de cozinhas industriais durante a madrugada.
Meu pato morreu em vão, pensei; a carne estava dura e o molho de laranja, mais
doce do que o palatável. Bebi um longo gole de Affligem e, saboreando aquela
encorpada cerveja belga brassée en
Opwijk, esqueci-me da morte inútil do anatídeo. Após finalizar o espresso e receber a conta, deixei
resvalar do porta-níqueis algumas moedas adicionais – pelo bom humor do garçom
– e apressadamente ganhei de novo a rua, procurando o caminho da Kléber para chegar
enfim ao meu destino.
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