terça-feira, 16 de outubro de 2012


Então abri novamente os olhos e fitei o céu por entre os galhos secos da árvore sob a qual se encontrava o banco em que eu me assentara para descansar um pouco da longa caminhada. Distraído, perdia-me em pensamentos e lembranças que se sucediam uns enganchando em outros e que, apesar da forte atenção interior que me tornava distante do local em que me encontrava espacialmente, deliam-se tão logo encontravam a engrenagem que as levaria ao encadeamento consecutivo. Num sobressalto, ouvi a agitação de folhas secas que se arrastavam contra o chão de argila britado enquanto eram levadas pelo vento frio de fins de março. Calculei que o vento soprava de oeste a leste vindo, portanto, do mar ao continente e, ainda, que o sol já fraco sumiria no ocidente setentrional em questão de três horas. Procurei as folhas que varriam o chão daquela pequena praça escondida ao lado dos canteiros centrais da avenida e julguei que seriam as de um plátano, conforme me permitia deduzir o modesto conhecimento da silvicultura. Busquei-o derredor e recobraram-me à memória os galhos que há pouco via secos misturados ao céu, dando-me conta de que estava justamente na fronde da árvore que eu procurava. Ri-me e pensei novamente na fome sôfrega que o fim de tarde vindouro traria. Tirei de um dos bolsos, espichando-me sobre o banco e repoltreando-me em seguida, uma carteira de Kent em que não se encontravam mais do que uns quatro cigarros. Volvi o fundo da pochette pendurada transversalmente pelo meu colo a buscar por um isqueiro que há pouco eu havia comprado de um ambulante próximo a uma banca de flores. Achando-o, acendi o cigarro que me conduziria novamente à promenade. Reconhecendo o ânimo do fumante, os primeiros tragos me puseram a questão que restava sempre sobre permanecer e aproveitar aquela falsa e lânguida sensação de relaxamento que impedia qualquer tônus muscular ou pôr-me de pé e tratar logo da minha mais íntima e ronronante necessidade fisiológica: a privação alimentar... Atravessei a avenida observando de longe os carros de um lado e de outro e, andando mais um pouco ao largo do passeio, deparei-me com um café um tanto quanto navy, de toldo azul e branco, em cuja porta havia um garçom pouco sisudo que parecia entediado pela falta da clientela, o que me remetia novamente ao fim da tarde. Hesitei por alguns instantes até que o atendente me cumprimentou e, sentindo-me compelido pela educação inabitual, tomei um assento no terraço da calçada. Revisei impaciente o menu e, descartando o 3-course meal, optei pelo prato do dia, na ocasião, um magret de pato com molho de laranja, purê de batatas e legumes grelhados. Lembrei-me, ao provar o pato, de que após a crise alguns bistrôs e cafés – e mesmo restaurantes em happy hour – vinham substituindo seus chefs e auxiliares por comida pronta que vinha resfriada de cozinhas industriais durante a madrugada. Meu pato morreu em vão, pensei; a carne estava dura e o molho de laranja, mais doce do que o palatável. Bebi um longo gole de Affligem e, saboreando aquela encorpada cerveja belga brassée en Opwijk, esqueci-me da morte inútil do anatídeo. Após finalizar o espresso e receber a conta, deixei resvalar do porta-níqueis algumas moedas adicionais – pelo bom humor do garçom – e apressadamente ganhei de novo a rua, procurando o caminho da Kléber para chegar enfim ao meu destino.

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