sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

GEOGRAFIA DO MEU SER - Parte I


Chego à casa dos meus pais em Abaeté às oito da noite, após uma viagem de quatro horas da capital, e encontro meu pai, sozinho em casa, entretido com alguma coisa qualquer em seu computador. Adentro a casa e passo pelo corredor, onde os quatro retratos dos meus avós observam atemporais o passar da vida na casa em que vivi dos seis aos dezessete anos de idade. Cada um dos olhares parecem vigiar um canto da casa. Apenas uma, minha avó do retrato mais baixo, parece me fitar com olhar profundo e tranquilo, talvez querendo me dizer "sim, nós somos a sua única e possível verdade.


Me acomodo e volto à sala, onde me sento e, apesar de ligar a televisão, continuo observando os retratos à entrada do corredor. Eles continuam lá, observando tudo do alto de suas juventudes, onipresentes e onissapientes. Penso no tempo que passei sem vir a Abaeté e no quão minha avó reclama do meu pouco caso com a família. Sim, eu fui praticamente um rebelde. Venho pouco e quando venho, fico dois ou três dias. O que será que me aconteceu?


Encontro novamente o olhar profundo de minha avó e começo a dramatizar para minha plateia interna a peça "Eu poderia ter tido olhos azuis como os seus". Seria fácil, minha mãe tem olhos verdes e do lado do meu pai, minha tia tem olhos azuis. Atavismo que acabou não acontecendo: eu e minha irmã temos olhos castanhos; os meus "folha seca" e os dela madeira escura. As pessoas quando se apaixonam jamais se lembram de combinar características de ambos para produzir um filho. Se apaixonam e pum! Querem porque querem simplesmente um filho que seja a cópia da pessoa amada parida de si mesma. E veja lá se meus avós parariam para pensar em como nasceriam os filhos. Ainda mais com quem se casariam e como seriam os netos. E nem sei o quanto de conveniência tiveram seus casamentos. Casaram-se, tiveram filhos que se conheceram, se apaixonaram e que uniram seus retratos numa parede de corredor até que um dia o tempo os separe e selaram a tal união com filhos. E cá estou eu, observando o quatrilho armado pelo acaso que termina em mim. Cabelos claros, escuros, mais escassos que numerosos, peles de tonalidade variando do oliva à quase ausência de melanina, bocas finas, grossas, olhos amendoados, pequenos, grandes, e um nariz, de meu avô, filho de sírios maronitas, que parece perdurar insistentemente pela linha paternal de minha família. Me dou conta do quão cruel ou feliz pode ser o fatalismo genético.


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Saio pela cidade para procurar cigarros nesta terça-feira à noite e constato que o único movimento de tal dia da semana são os restos que sobraram da feirinha em que se vendem quitutes que toma lugar numa das laterais da principal praça da cidade. Aliás, a prefeitura local fica centralmente localizada na tal praça, motivo pelo qual é conhecida popularmente como Pracinha da Prefeitura, e também motivo pelo qual eu cresci achando natural que toda prefeitura se localizasse ao centro de alguma pracinha. Até hoje me mordo de estranhamento quando vejo a prefeitura de Belo Horizonte esgoelada entre prédios e quase posta ao meio da Avenida Afonso Pena. Porque nem todos os arquitetos copiaram esse belíssimo exemplar de prefeitura de Abaeté, com espaço para entretenimento e manifestações. Talvez porque não o quisessem. A tempo, desconheço registro de manifestações políticas na tal praça.


Sinto, andando pela cidade que segue sua vida normal, que sou um completo estranho. Me sinto um turista num lugar onde não se faz turismo. Rapidamente encontro meus cigarros e, antes que alguém me pare para perguntar quem sou, volto correndo para casa. Um fato estranho: ao adentrar a sorveteria - sim, a sorveteria - para comprar os cigarros, logo a dona me pergunta sem titubear "Cigarros?", ao que eu respondo positivamente com um balançar de queixo. Natural que me perguntasse "Sorvete de que sabor?", mas enfim, bruxarias do interior.


Fim de noite quente com um céu esplendidamente estrelado e iluminado pela luz da lua. Talvez ainda houvesse mais estrelas no céu se a lua não estivesse tão clara. Fumei um cigarro e me deitei para dormir ao som dos cachorros que pareciam conversar entre si com latidos vindos de todos os cantos da cidade.


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