quinta-feira, 8 de outubro de 2009

TROMBADINHA

São 18h e estou saindo do trabalho. Desço uma movimentada rua que liga o Centro ao Lourdes, contra uma multidão de gente que sobe do mesmo lado da calçada. Não apenas uma vez, mas duas, três ou até quatro vezes trombo com algum pedestre, e ficamos naquela situação constrangedora de tentar nos desviar um do outro, até que um para, dá aquele sorrisinho sem graça e o outro segue em frente pelo lado oposto.

São 06h40 da manhã e estou chegando à academia pela primeira vez no dia. Entro e, assim que passo pela roleta, dou de frente com alguém já saindo e me encontro mais uma vez na constrangedora situação de ficarmos tentando nos desviar. É como se estivéssemos espelhados.

São 13h e estou saindo para almoçar. Dobro o corredor e mais uma vez estou na situação do insolúvel desvio de outra pessoa que nunca ocorre naturalmente.

Bloqueio? Recalque? Tensão? Timidez? Constrangimento? Nada disso mais. Já é tão frequente em minha rotina que muitas vezes, quando percebo que estou indo na direção de outra pessoa, mudo de rota completamente, como se estivesse me desviando de algo tão indesejável quanto uma sujeira feita pelo cachorro no passeio. Não sei qual impressão passo, mas, desde que evite o constrangimento da trombadinha espelhada, não me importo nem um pouco com o que pensem.

E não pense que este é um detalhe liliputiano do meu dia-a-dia. É algo tão relevantemente titânico que, há anos, passei da contemplação e resolvi estudar o que estava me ocorrendo. Primeiramente, perguntei a algumas pessoas se o que eu relatara também lhes acontecia. Descobri, assim, que o esquisito era eu. Identificado o problema, passei então ao trabalho de campo, à base experimental do método científico: transformei o simples ato de caminhar pelas ruas, em meio às multidões, em um experimento tão mais complexo do que aquelas pessoas com quem me deparei de frente jamais poderiam imaginar.

A primeira hipótese levantada e abordada foi a minha condição de pedestre que sempre olha para o chão - coisa que os tímidos saberão bem o que é. Levantei a cabeça enfrentei as pessoas contra as quais eu andava. Foi então que descartei a primeira hipótese. Não, não era o simples fato de andar olhando para o chão que me transformava numa muralha intransponível na vida das pessoas. Definitivamente não.

Cheguei então à segunda e definitiva hipótese, que se provou verdadeira. Descobri incidentalmente que as poucas pessoas com que eu não trombava sempre se desviavam de mim pela direção contrária à que eu ia, isto é, pela esquerda. E foi aí que contei e descobri que a maioria das pessoas se desviam para a direita, enquanto algumas poucas, como eu, se desviam para a esquerda. Como o primeiro movimento que fazemos ao nos deparar diante desta situação é sempre o contrário do primeiro que tentamos fazer, criamos uma barreira de movimentos espelhados que desagua no dito constrangimento. Triste condição a minha, enfim. Estava devidamente provado o que se passava.

Foi então que decidi me recondicionar. Passei a me desviar das pessoas pela direita, o que se mostrou bem mais difícil do que eu imaginava, visto que exigia um nível de consciência tal, que eu simplesmente não poderia sustentar toda vez que caminhasse. Obviamente, qualquer coisa, como o trânsito ou a ideia de escrever este post, dividiria minha atenção e acabaria me colocando diante de uma pessoa fazendo movimentos ridiculamente espelhados.

Por fim, fadiguei-me do esforço cujo tamanho era desproporcionalmente irrelevante à minha vida. Se algum dia precisar me recondicionar, vou tentar fazê-lo; enquanto for só um constrangimento, que seja! Minha vida seguirá sempre à frente e pela esquerda, com Drummond sempre me dizendo ao pé do ouvido:

Quando nasceu, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Saulo! ser gauche na vida.


p.s.: e sim! Existe uma moral da história e uma pedra em meu caminho.

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